Quando Carey Lisse, astrônomo da Universidade Johns Hopkins, revelou que o cometa 3I/ATLAS possui uma "cabeleira" de dióxido de carbono de quase 350 mil quilômetros, o céu noturno ganhou um novo motivo de fascínio. A descoberta, feita em por telescópios da missão SPHEREx da NASA, marca apenas o terceiro visitante interestelar já observado dentro do Sistema Solar. Em seguida, o astrônomo brasileiro Marcelo Zurita, presidente da Associação Paraibana de Astronomia (APA), destacou que a concentração de CO₂ difere drasticamente dos cometas nativos.
Desde que o primeiro objeto interestelar, ‘Oumuamua, cruzou nosso Sistema Solar em 2017, os cientistas vêm esperando por uma "carga" de dados mais substancial. O segundo, 2I/Borisov, apareceu em 2019 oferecendo pistas sobre a composição de corpos vindos de outras estrelas. O 3I/ATLAS, porém, chegou carregado de surpresas que lembram tanto cometas tradicionais quanto corpos transnetunianos. Essa sequência de descobertas tem impulsionado projetos como o SPHEREx, que visa mapear o gelo cósmico em escala galáctica.
Em setembro de 2025, telescópios terrestres capturaram um brilho verde ao redor do núcleo. Normalmente, esse tom surge de moléculas de dicarbono (C₂) que fluorescem sob a luz solar, mas espectros anteriores não mostraram presença significativa desse composto. A explicação mais aceita envolve reações químicas no coma rico em CO₂, onde radiação ultravioleta converte parte do gás em radicais que emitem no verde. Susanne Pfalzner, pesquisadora da Universidade de Heidelberg, descreveu o fenômeno como “um lampejo raro, quase sensação de estar vendo uma aurora microscópica ao nível do cometa”.
Além da cor, o 3I/ATLAS exibe um "ramo de polarização negativa" extremamente profundo e estreito. Isso significa que a luz refletida pela poeira do coma se alinha de maneira oposta ao esperado, sugerindo partículas de tamanho e composição atípicos. Esse padrão difere dos mais de 200 cometas estudados até hoje e levanta a hipótese de que a poeira pode conter cristais de gelo de água misturados a compostos orgânicos ainda não catalogados.
Enquanto Marcelo Zurita ressalta a diferença de CO₂, Michele Bannister, da Observatório de Cerro Tololo, sugere que o objeto compartilha traços com centauros – corpos gelados que orbitam entre Júpiter e Netuno. "A inclinação espectral e a presença de água congelada aproximam o 3I/ATLAS de centauros como Chariklo", afirma Bannister.
O núcleo, medido em cerca de 5,6 km de diâmetro, gira a cada 16,79 h, um ritmo que permite que ventos de gás escapem continuamente, mantendo a atividade mesmo antes da descoberta oficial. Esse comportamento lembra o cometa 67P/Churyumov‑Gerasimenko, porém a abundância de CO₂ no 3I/ATLAS é cerca de três vezes maior.
Em , Pfalzner e Bannister apresentaram uma teoria ousada: o 3I/ATLAS poderia ser uma "semente formadora de planetas" interestelar. Segundo eles, um núcleo sólido e massivo que já contém gelo e compostos voláteis pode servir como ponto de ancoragem para material circumstelar em discos protoplanetários de outras estrelas, acelerando a formação de gigantes gasosos. Essa ideia oferece uma solução para o chamado "problema do tempo" – como planetas como Júpiter podem crescer antes que o disco de gás se disperse.
A hipótese ainda carece de dados angulares específicos, mas já despertou interesse de equipes que estudam discos de poeira ao redor de estrelas jovens. Se confirmada, a presença de objetos como o 3I/ATLAS poderia explicar por que alguns sistemas apresentam planetas gigantes em órbitas próximas ao seu sol, desafiando modelos tradicionais de acreção lenta.
O 3I/ATLAS está se afastando do Sol e voltará a ser fadado a magnitudes mais fracas nos próximos meses. Telescópios espaciais como o James Webb Space Telescope (JWST) foram reservados para espectroscopia no infravermelho, a fim de mapear a distribuição de CO₂, H₂O e possíveis hidrocarbonetos. Além disso, a ESA está considerando incluir o objeto em sua missão Comet Interceptor, que poderia se aproximar mais de perto na próxima passagem periélio.
Enquanto isso, observatórios amadores espalhados pelo Brasil, como a Rede Brasileira de Observação de Meteoros (BRAMON), continuam monitorando a foto‑metria do cometa. Zurita incentiva a participação popular, lembrando que "a astronomia cidadã muitas vezes captura variações rápidas que os grandes telescópios perdem".
Comparado a ‘Oumuamua, que mostrou apenas um brilho fraco e nenhum halo de gás, o 3I/ATLAS se destaca por sua atividade volátil. Já 2I/Borisov apresentava uma composição semelhante à dos cometas da Nuvem de Oort, com água, CO e CO₂ em proporções “normais”. O 3I/ATLAS, por outro lado, tem uma proporção CO₂/WATER quase 4:1, algo raro mesmo entre os cometas mais distantes do Sol.
Essas diferenças reforçam a ideia de que objetos interestelares podem refletir a diversidade química das regiões de formação estelar. Se a origem do 3I/ATLAS for, como sugerem os modelos orbitais, uma zona onde estrelas nascem em torno de massas solares, isso pode indicar que ambientes semelhantes ao nosso são mais comuns do que se pensava.
A presença de CO₂ em níveis quatro vezes superiores à média transforma o 3I/ATLAS em um caso atípico, aproximando‑o mais de objetos transnetunianos do que de cometas tradicionais. Essa característica sugere uma origem em ambientes estelares ricos em gases voláteis.
Se confirmada, a ideia de que objetos como o 3I/ATLAS podem servir de núcleos prontos para atrair material acelera o crescimento de planetas gigantes, oferecendo uma solução ao problema do tempo limitado de discos protoplanetários.
O 3I/ATLAS alcançará seu periélio em meados de novembro de 2025, mas começará a se tornar suficientemente brilhante para telescópios de grande porte a partir de outubro, permitindo espectroscopia no infravermelho com o JWST.
Astrônomos amadores afiliados à APA e à BRAMON contribuem com monitoramento fotométrico contínuo, capturando variações rápidas de brilho que ajudam a calibrar os dados de grandes observatórios e a refinar modelos de rotação e atividade do cometa.
A profundidade e a estreiteza do sinal de polarização indicam partículas de poeira muito diferentes em tamanho e composição, possivelmente cristais de gelo puro ou compostos orgânicos ainda não observados em cometas do Sistema Solar.
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