Todo novembro, o azul se espalha pelas ruas, redes sociais e postos de saúde do Brasil — não por moda, mas por sobrevivência. O Novembro Azul, campanha global que começou na Austrália em 2003 e chegou ao Brasil em 2011, mobiliza milhões de homens a enfrentar um tabu que mata: o câncer de próstata. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), o país deve registrar cerca de 71.740 novos casos por ano entre 2023 e 2025. O que mais assusta não é o número, mas o fato de que, quando detectado cedo, a chance de cura ultrapassa 90%. E ainda assim, muitos homens esperam até a dor apertar para procurar um médico.
Um inimigo silencioso, mas previsível
O câncer de próstata é o segundo mais comum entre os homens brasileiros, atrás apenas do câncer de pele não melanoma. Cerca de 75% dos casos ocorrem após os 65 anos, o que o torna, em grande parte, uma doença da terceira idade. Mas isso não significa que jovens estejam imunes. “A gente vê cada vez mais pacientes com 50, 55 anos”, diz Felipe de Paula, uro-oncologista e diretor da Sociedade Brasileira de Urologia. “O envelhecimento da população é só uma parte. A obesidade, o sedentarismo, a diabetes — tudo isso aumenta o risco.”Os sintomas, quando aparecem, são difíceis de ignorar: jato urinário fraco, necessidade frequente de urinar, dor ao urinar, sangue na urina. Mas muitos homens acham que é “só envelhecer”. “É como se a próstata fosse um órgão que não tem direito a dor, a cuidado, a atenção”, afirma Danilo Borges Matias, secretário de Saúde de Belo Horizonte.
Exames simples, vidas salvas
O diagnóstico não exige tecnologia de ponta. O exame de PSA (antígeno prostático específico), feito com uma simples coleta de sangue, e o toque retal — sim, aquele que causa constrangimento — são os pilares da detecção precoce. Juntos, conseguem identificar tumores antes que se espalhem. “Quando o tumor ainda está confinado à próstata, a cura é quase certa”, afirma o Grupo Luta pela Vida. “Chega a 98%.”Em 2025, a Prefeitura de Belo Horizonte ofertou mais de 17 mil consultas especializadas e realizou mais de 1.300 biópsias de próstata, com tempo máximo de espera de 30 dias. Um avanço, mas ainda insuficiente. No interior do país, o tempo pode chegar a seis meses. E o problema não é só de infraestrutura — é cultural.
O tabu que mata mais que o tumor
“Muitos homens acham que ir ao urologista é sinal de fraqueza. Que o toque retal tira a virilidade”, conta a enfermeira Carla Mendes, que trabalha na rede pública de saúde em São Paulo. “Eles vão ao médico para dor de cabeça, para gripe, mas não para a próstata. É como se a saúde masculina só importasse quando o corpo não funcionasse mais.”Essa mentalidade tem consequências reais. Cerca de 40% dos casos diagnosticados no Brasil já estão em estágio avançado. Isso significa que, em quase metade dos casos, o câncer já saiu da próstata e pode ter atingido ossos, fígado ou linfonodos. Nessa fase, o tratamento se torna mais agressivo, mais caro e menos eficaz.
Quando a ciência avança além do tradicional
Enquanto a prevenção ainda é o melhor remédio, a ciência não para. No Instituto de Engenharia Nuclear/Comissão Nacional de Energia Nuclear (IEN/CNEN), o professor Ralph Santos-Oliveira lidera o Laboratório de Nanorradiofármacos. Lá, pesquisadores como Jéssica desenvolvem tratamentos personalizados usando nanotecnologia e radiofármacos para atacar células cancerígenas resistentes — especialmente as linhagens PC3 e DU-145, que representam tumores agressivos.“Nossa meta não é substituir a quimioterapia, mas complementá-la onde ela falha”, explica Santos-Oliveira. “Imagine um míssil que só atinge as células ruins, deixando as saudáveis intactas. É isso que estamos construindo.” A pesquisa ainda está em fase experimental, mas já mostra resultados promissores em modelos animais. Para muitos, é um sinal de que, no futuro, o câncer de próstata pode ser tratado como uma doença crônica — e não como uma sentença de morte.
O que cada homem pode fazer — hoje
A prevenção não depende só de hospitais. Especialistas do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo) recomendam:- Exames anuais a partir dos 50 anos — ou aos 45 se houver histórico familiar
- Manter peso saudável
- Praticar pelo menos 150 minutos de atividade física por semana
- Reduzir consumo de carnes vermelhas e processadas
- Incluir tomate, brócolis, soja e peixes ricos em ômega-3 na dieta
- Abandonar o cigarro e limitar o álcool
E, acima de tudo: não espere dor para agir. O câncer de próstata não grita. Ele sussurra. E quem não escuta, corre risco.
Frequently Asked Questions
Quais homens devem fazer o exame de PSA e o toque retal?
Homens a partir dos 50 anos devem iniciar os exames anuais. Se houver histórico de câncer de próstata na família — especialmente pai ou irmão — o recomendado é começar aos 45. Homens negros também têm maior risco e devem ser mais rigorosos. O PSA e o toque retal são complementares: um detecta alterações químicas, o outro avalia mudanças físicas na próstata.
O exame de toque retal dói ou prejudica a virilidade?
Não. O toque retal é rápido — cerca de 10 segundos — e pode causar leve desconforto, mas não dor intensa. Ele não afeta a função sexual, nem causa impotência. O medo de que ele ‘tire a virilidade’ é um mito perigoso. Muitos homens morrem por não passar nesse exame simples, que pode salvar a vida.
O que é o PSA alto? Significa que tenho câncer?
Nem sempre. O PSA pode subir por inflamação da próstata, infecção, até mesmo por uma bicicleta recente ou um exame retal. O que importa é a evolução do valor ao longo do tempo. Um aumento rápido, mesmo que ainda dentro da faixa normal, pode ser um sinal de alerta. Por isso, o acompanhamento contínuo é essencial — não um exame isolado.
A nanotecnologia já está disponível para pacientes no SUS?
Ainda não. As terapias com nanorradiofármacos desenvolvidas pelo IEN/CNEN estão em fase de testes pré-clínicos. Elas ainda não foram aprovadas para uso em humanos. Mas os resultados são promissores, e pesquisadores esperam que, nos próximos 5 a 10 anos, essas abordagens possam chegar aos hospitais públicos como tratamentos complementares, especialmente para casos resistentes.
Por que a campanha Novembro Azul é tão importante no Brasil?
Porque o câncer de próstata mata mais de 15 mil homens por ano no Brasil — quase 40 por dia. E quase metade dessas mortes poderiam ser evitadas com diagnóstico precoce. A campanha quebra o silêncio, desafia estigmas e leva informação a regiões onde o acesso à saúde é limitado. É um movimento de vida, não só de conscientização.
Outros tipos de câncer urológico também são uma ameaça?
Sim. Além do câncer de próstata, homens também correm risco de desenvolver tumores na bexiga, rim, testículo e pênis. Todos podem ser detectados em consultas regulares com urologistas. Por isso, não se limite ao toque retal. Um exame urológico completo pode salvar sua vida — e a de sua família.